Reflexões sobre a morte em formato de podcast que vão compor uma obra literária sobre o tema. A cada capítulo escrito os leitores terão oportunidade de interagir contribuindo para o texto final do livro.

Estava   curiosa   para ler   esse prefácio.  Que  lindo  início!  Com  certeza  é  obra  do Espírito  Santo  todo  esse  desconforto  que  o   levou a escrever sobre a morte. Esse  seu desconforto temporário trará o conforto para muitos!

Célia Alves Cardoso

Escritora

Prefácio

Era uma terça-feira de madrugada. O calor daquela noite havia me importunado e roubado meu sono. A segunda-feira que antecedeu aquela noite foi intensa. Na teoria, deveria ser meu dia de folga, descansar e relaxar, mas na prática foi dia de batente, acordar às 4 horas da madrugada e encontrar com meu secretário para me levar ao aeroporto, deixando a cidade de São Paulo e embarcando para a capital dos mineiros, a amada terra de Belo Horizonte.

Quando cheguei em terras mineiras, o motorista já me aguardava no aeroporto para me conduzir ao destino árduo daquele dia. Dia de missão, corrido, cheio e puxado. Somente às 20hs os trabalhos se encerraram e pude então retomar o pouco que restava do meu dia de folga.

... E quando eu morrer? O que vai acontecer quando eu morrer?

Aquela madrugada foi estranha, diferente. Não sei explicar qual o melhor sentimento para descrevê-la. Creio que o calor e a exaustão corporal foram os elementos essenciais que resultaram numa química não muito agradável. De repente, acordei às 4 h 26 e senti um cheiro de chuva no ar, que vinha da janela. Ele trazia consigo a magia do frio, enfim uma brisa refrescante. Quando acordei, algo inusitado me aconteceu. Num lampejo de segundo, uma pergunta surgiu dentro de mim: e quando eu morrer? O que vai acontecer quando eu morrer? Simplesmente a pergunta me deixou paralisado, pois nunca tinha parado para pensar na minha própria morte.  

Sempre refleti sobre a morte no âmbito da vida eterna, na perspectiva da ressurreição. Mas, dessa vez, minha pergunta me levou à experiência da passagem, do abandono deste corpo mortal e do que aconteceria com ele, desse corpo que ainda é parte de mim aqui nesta terra. Por um instante, me dei conta que este corpo será o memorial de minha história, de meus feitos, de minhas conquistas, de meu legado.

Como padre, estou muito habituado a lidar com a morte dos outros. Constantemente sou solicitado a estar presente quando a morte surge. Me deparo com a morte nos hospitais, quando as pessoas estão prestes a dar seu último suspiro. Me deparo com a morte quando vou aos cemitérios para ser uma presença de consolo e esperança para a família e poder prestar de forma ritual as últimas homenagens àqueles que terminaram sua trajetória nesse mundo. Me deparo com a morte quando a família se reúne na Igreja, para celebrar a Missa de sétimo dia e pedir a Deus uma graça especial para preencher o vazio e a saudade que a força da morte evoca consigo.

... Proferir as últimas palavras diante daqueles que acabaram de partir é sempre desafiador.

Como moro bem perto de um grande cemitério em São Paulo, minha semana é sempre marcada pela morte. Chego a lembrar, de um dia em especial, em que fui 7 vezes ao cemitério naquele mesmo dia. 7 vezes me chamaram e 7 vezes pude atender aqueles pedidos. Me recordo que quando fiz a sexta exéquias, nome dado para o rito próprio à oração que fazemos aos falecidos, eu já me encontrava exausto. Afinal, não se tratava apenas de tempo e de falar algumas palavras. A exéquias, quando feita com o coração, exige muito de nós, padres. Se colocar à frente de todos para ser a pessoa de Cristo num momento de fragilidade tão grande requer uma sensibilidade e um cuidado muito especial. Proferir as últimas palavras diante daqueles que acabaram de partir é sempre desafiador.

Naquele dia, depois da sexta exéquias eu realmente estava muito cansado e já na saída do cemitério fui interpelado por uma fiel que participava das missas.

– Padre, que bom que o senhor está aqui, meu pai morreu. Eu liguei para tantas pessoas à procura de um sacerdote, mas não consegui contato com nenhum e de repente encontro com o senhor aqui. O senhor pode rezar pelo meu pai?

Naquele momento, apesar de todo o cansaço, meu coração se encheu de compaixão e misericórdia. Como poderia negar aquele pedido de oração para alguém que havia perdido seu amado pai? Busquei então renovar minhas forças para poder ser a presença de Cristo para aquela família que chorava a morte de seu patriarca. E assim aquele dia se encerrou com a sétima exéquias.

Falar sobre a morte e ajudar as pessoas no processo de morte é algo que sempre fiz. Mas aquela madrugada me trouxe uma face completamente diferente da morte, fez-me contemplar minha própria morte, minha própria passagem, minha própria exéquias, meu próprio caixão. E quando eu morrer? Senti que essa pergunta não se tratava de algo desconexo, mas que era cheia de sentido e que trazia consigo um propósito, um sentido maior, o nascimento deste livro.

Quero dedicar nessas páginas um esforço para trilhar esse caminho, o caminho da consciência da própria morte, o caminho da minha passagem, o caminho que me levará para além dessa vida, mas que servirá como sinal do meu legado neste mundo.

... Diante da eternidade não posso conceber que meu corpo fique inerte nesta terra, sem utilidade, sem sentido, sem um propósito

Diante da eternidade não posso conceber que meu corpo fique inerte nesta terra, sem utilidade, sem sentido, sem um propósito. Quero que meu corpo, ou aquilo que dele sobrar, sejam meus ossos, ou minhas cinzas, ou simplesmente pó, possa dar maior glória a Deus, possa fazer brilhar a reputação de Deus, possa dar testemunho de um Deus que tanto me amou e que me chamou a ser seu sacerdote nesta terra e também o chamará a sê-lo na eternidade.

Essa pergunta que perpassou minha alma naquela madrugada, será a pergunta que transcorrerá por toda esta obra. E quando eu morrer? Convido você a fazer essa caminhada comigo. Talvez você, de alguma maneira especial me ajude, tendo em vista que ao escrever cada capítulo vou divulgá-lo como podcast e assim interagir com você, espiritualmente, e também, de forma concreta ao poder ler seus comentários sobre o que pensa em relação a este tema. Convido você a me ajudar nesta caminhada de reflexão, partilhando sua experiência, seu pensamento, seus sentimentos em relação a morte. Cada capítulo será enriquecido pelo legado deixado de sua interação.

E quando eu morrer? Creio que essa pergunta não seja somente minha, mas também sua. Que ela nos leve a estarmos preparados para esse momento, sobretudo a realizar o que nosso coração anseia e deseja, o encontro com Deus, a vida eterna. Mas também, ao encontrarmos uma resposta, penso que ela ajudará aqueles que irão cuidar do templo sagrado do nosso corpo que permanecerá neste mundo da forma que melhor nos agrade.

... construir nosso manifesto fúnebre, um roteiro de nossa última vontade

 

Este livro nos ajudará a escolhermos o que queremos: ser sepultados, cremados, ter nossas cinzas dentro de uma igreja, ou deixar que se torne uma árvore em meio a um jardim. Sermos cobertos de rosas ou flores, ou justamente o contrário. Colocar em nossas mãos algo especial que gostaríamos de carregar evocando a força da simbologia e do significado que tal objeto possa ter. Tocar uma música que para nós é especial e que transmitirá uma mensagem aos nossos familiares e amigos. Tudo isso ajudará a construir nosso manifesto fúnebre, um roteiro de nossa última vontade, para que nossos familiares possam fazer de nosso corpo que permanecerá nesta terra até a ressurreição, um verdadeiro memorial cheio de sentido, sentimento, significado, cheio de vida, sendo capaz de refletir nossa história, nossa trajetória, nosso legado.

Pe. Davi Cruz

Comentários (16)

  • Lucas Lopes

    Muito interessante a reflexão e já me deixou curioso para saber mais sobre os próximos capítulos!!

    Reply
    • Valéria Alves de Oliveira

      Fantástico padre! Na expectativa para às próximas cenas do capítulo e pelo livro. Parabéns!

      Reply
  • admin

    Como gostaria que esse livro já estivesse pronto!

    Reply
  • Maria Salete

    Muito bom falar da morte que é a realidade das nossas vidas e entendermos a forma de vivermos para chegar na linda presença de Jesus que tanto nos ama e o amamos.

    Reply
    • Maria Helena P. Ferrari

      Amei sua ideia! Esse assunto me fascina. Busco muitas respostas e acredito que encontrarei muitas delas aqui, nesse seu livro, que está se preparando para nascer. Quero contribuir sim, vou pensar.

      Reply
  • Suzana Falcão

    A maturidade tem -me feito refletir sobre minha própria morte . A inevitável perda das pessoas que amamos , pais , parentes, amigos ; sempre mexeram comigo com uma pergunta ” por que vivemos e depois morremos ?” . A resposta “porque Deus quer” não me basta. O aprofundamento da fé em Jesus Cristo é fonte de força e esperança. Certamente seu livro , Padre Davi , irá me ajudar nesta busca pessoal sobre vida e morte . Sucesso padre .

    Reply
  • Mariza A P Carneiro Gonçalves

    Excelente tema Padre!
    E quando eu morrer? Pergunta difícil de fazer, mais ainda de responder. Não estamos preparados para a partida. Sabemos que não acaba aqui, mesmo assim é difícil pensar sobre.

    Reply
  • Lú Rezende

    Parabéns Padre Davi, por abordar um tema que para a maioria de nós é tabu. Temos medo de falar da morte, sendo que é uma das únicas certezas que temos nesta vida….
    Anciosa por acompanhar esta sua trajetória.
    Um abraço.

    Reply
  • Luciana

    que bela reflexao, esta ai um assunto que me causa grande angustia. Como é a chegada o momento da morte e como viver esta certeza de forma tranquila, dentro do desejo de Deus.

    Reply
  • Nathalia

    Que podcast necessário! Não sabemos lidar com a morte e precisamos ter essa consciência. Ansiosa para o próximo capitulo

    Reply
  • Margarida Hamada

    É um assunto que sempre penso, mas como disse pe. Davi, em termos de vida eterna junto de Deus. Tenho certeza que será de interesse de muita gente! Ficaremos no aguardo!

    Reply
  • Elizabeth Mercedes Pastor Bonanno

    Querido Padre Davi, a ideia da morte me é natural. Mas às vezes penso sobre isso e espero que sua vivência e reflexão sobre este tema me induza a pensar mais profundamente, ainda que sobretudo eu confie em Deus e sinta que Ele terá algo muito bom para mim.

    Reply
  • Maria Aurea Alencar Pereira

    Um tema inspirador para reflexão…Nada distante de um Padre/homem que vivência a passagem de tantos humanos. ..É curioso saber o que se passa na sua cabeça sobre esse assunto tão polêmico para tantos…Estou super curiosa pra conhecer seus sentimentos…E quando eu morrer? A vida terrena segue…E se inicia a vida espiritual…Feus te cubra de inspiração…

    Reply
  • Fabiana

    Adorei já estou ansiosa para o próximo capítulo é um assusto muito interessante tenho certeza que muitos tem essa curiosidade.

    Reply
  • Lucia Suzuko Okomura

    Gostei muito do tema e da reflexão do senhor.
    Ansiosa para ler mais.
    Parabéns!

    Reply

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Comentários (16)

  • Lucas Lopes

    Muito interessante a reflexão e já me deixou curioso para saber mais sobre os próximos capítulos!!

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    • Valéria Alves de Oliveira

      Fantástico padre! Na expectativa para às próximas cenas do capítulo e pelo livro. Parabéns!

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  • admin

    Como gostaria que esse livro já estivesse pronto!

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  • Maria Salete

    Muito bom falar da morte que é a realidade das nossas vidas e entendermos a forma de vivermos para chegar na linda presença de Jesus que tanto nos ama e o amamos.

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    • Maria Helena P. Ferrari

      Amei sua ideia! Esse assunto me fascina. Busco muitas respostas e acredito que encontrarei muitas delas aqui, nesse seu livro, que está se preparando para nascer. Quero contribuir sim, vou pensar.

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  • Suzana Falcão

    A maturidade tem -me feito refletir sobre minha própria morte . A inevitável perda das pessoas que amamos , pais , parentes, amigos ; sempre mexeram comigo com uma pergunta ” por que vivemos e depois morremos ?” . A resposta “porque Deus quer” não me basta. O aprofundamento da fé em Jesus Cristo é fonte de força e esperança. Certamente seu livro , Padre Davi , irá me ajudar nesta busca pessoal sobre vida e morte . Sucesso padre .

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  • Mariza A P Carneiro Gonçalves

    Excelente tema Padre!
    E quando eu morrer? Pergunta difícil de fazer, mais ainda de responder. Não estamos preparados para a partida. Sabemos que não acaba aqui, mesmo assim é difícil pensar sobre.

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  • Lú Rezende

    Parabéns Padre Davi, por abordar um tema que para a maioria de nós é tabu. Temos medo de falar da morte, sendo que é uma das únicas certezas que temos nesta vida….
    Anciosa por acompanhar esta sua trajetória.
    Um abraço.

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  • Luciana

    que bela reflexao, esta ai um assunto que me causa grande angustia. Como é a chegada o momento da morte e como viver esta certeza de forma tranquila, dentro do desejo de Deus.

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  • Nathalia

    Que podcast necessário! Não sabemos lidar com a morte e precisamos ter essa consciência. Ansiosa para o próximo capitulo

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  • Margarida Hamada

    É um assunto que sempre penso, mas como disse pe. Davi, em termos de vida eterna junto de Deus. Tenho certeza que será de interesse de muita gente! Ficaremos no aguardo!

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  • Elizabeth Mercedes Pastor Bonanno

    Querido Padre Davi, a ideia da morte me é natural. Mas às vezes penso sobre isso e espero que sua vivência e reflexão sobre este tema me induza a pensar mais profundamente, ainda que sobretudo eu confie em Deus e sinta que Ele terá algo muito bom para mim.

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  • Maria Aurea Alencar Pereira

    Um tema inspirador para reflexão…Nada distante de um Padre/homem que vivência a passagem de tantos humanos. ..É curioso saber o que se passa na sua cabeça sobre esse assunto tão polêmico para tantos…Estou super curiosa pra conhecer seus sentimentos…E quando eu morrer? A vida terrena segue…E se inicia a vida espiritual…Feus te cubra de inspiração…

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  • Fabiana

    Adorei já estou ansiosa para o próximo capítulo é um assusto muito interessante tenho certeza que muitos tem essa curiosidade.

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  • Lucia Suzuko Okomura

    Gostei muito do tema e da reflexão do senhor.
    Ansiosa para ler mais.
    Parabéns!

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